Arquitectura de Serviços Públicos em Portugal: Os Internatos na Justiça de Menores 1871-1978
de Rute Figueiredo, Filomena Bandeira, João Vieira, Sofia Diniz, João Paulo Martins e Ricardo Costa Agarez
Sobre o livro
PORQUE o QUOTIDIANO não se reduz ao hoje, banal e fugaz, vivido exclusivamente no presente.
Porque o hoje dá lugar à história da vida quotidiana, a memória e os testemunhos que o acervo documental que os centros educativos encerram, mesmo antes do conhecimento da riqueza documental ora evidenciado, representam uma oportunidade de salvaguarda da história das ideias, processos e práticas de gestão e controlo da delinquência juvenil em Portugal.
O desafio da investigação que se lança ao seu estudo, ao estudo da vida quotidiana, principia, desde logo, na localização de fontes precisas que documentem essa vivência tida como marginal.
Movida, assim, pelo desejo de preservação e conservação dos arquivos e repositórios da reminiscência secular dos quotidianos da delinquência e dos desvios comportamentais das crianças e jovens, a Direcção-Geral de Reinserção Social gizou o projecto Fontes Documentais para a História Portuguesa da Justiça de Menores e das Instituições Correccionais e de Reeduca-ção (1871-1978), dando início a um processo de avaliação, selecção, eliminação e tratamento documentais dos seus arquivos.
Nas últimas duas décadas, o procedimento, os tipos de sanções e as sentenças mudaram efectivamente no domínio da justiça de menores europeia. Privilegiam-se, hoje, medidas como o serviço comunitário, a compensação e a reparação, a mediação com a vítima ou com a comunidade de origem, a formação profissional em práticas ou tratamentos especiais para as toxicodependências e outras dependências, como o alcoolismo. Mutatis mutantis, a relevância que a justiça europeia atribui ao fenómeno da delinquência juvenil exige respostas eficazes sustentadas em três pilares ou linhas de acção: prevenção, medidas tutelares educativas e integração e reinserção social dos menores e jovens infractores.
A documentação de arquivo conservada nos centros educativos remete para um período cronológico amplo, localizado temporalmente entre 1871 e 2008, e permite um olhar sobre a evolução da estrutura institucional nos diferentes sistemas judiciais de menores, especificamente daqueles que se encontram em conflito com a lei, não obstante os modelos de intervenção implícitos na sua história.
A actualidade portuguesa dos centros educativos tem uma origem recuada e o seu legado arquitectónico remonta à fundação das primeiras instituições do sistema correccional (1871--1903), período em que a emergente preocupação e cuidados com a infância surgem de uma forma definitiva, no sistema de protecção judicial (1911-1925), com a importante aprovação da Lei de Protecção à Infância.
A Lei de Protecção à Infância, de 27 de Maio de 1911, rompe com um sistema de protecção judicial assente na responsabilidade do indivíduo e na reprovação social da sua conduta, distinguindo claramente a criança do adulto, passando os menores de idade a cumprir as medidas que lhes eram aplicadas em estabelecimentos próprios, colocando termo à situação em que aqueles e os adultos cumpriam indistintamente as penas nas prisões de direito comum. A lei previa não só a intervenção judiciária nos casos de menores delinquentes, como também a protecção nas situações de menores que se encontrassem em perigo moral.
Em 1962, verifica-se a reforma juridicamente mais significativa em matéria de infância e juventude, com a aprovação da Organização Tutelar de Menores, embora sem impacto, ou consequências assinaláveis, na estrutura edificada a que remontam as primeiras instituições, uma vez que as medidas eram aplicadas indiferentemente aos menores desamparados, desa-daptados, abandonados ou em perigo e delinquentes.
É com o novo regime de Direito dos Menores (1999-2001) que se procede à refundação de todo o sistema de intervenção junto das crianças e, consequentemente, se observam os primeiros ajustamentos à rede nacional de estabelecimentos para o cumprimento de medi-das de internamento. Ao modelo de intervenção única, alicerçado na crença de que é possível responder de igual modo e com os mesmos instrumentos a problemas tão diversos, sucede o modelo alicerçado substantivamente na distinção entre a intervenção tutelar de protecção e a intervenção tutelar educativa, com o ónus da complexa preservação, de complexa utilização das instalações existentes, herdadas e doadas do anterior regime de internatos.
Esta perspectiva integrada do universo arquivístico, do património arquitectónico e dos seus imóveis reflecte o contributo protagonizado pelo Sistema de Informação para o Patri-mónio Arquitectónico (SIPA), nos domínios da produção de conhecimento e divulgação da arquitectura de serviços públicos em Portugal, concretamente da arquitectura judicial e prisional.
Acreditamos que o projecto Arquitectura de Serviços Públicos em Portugal: os Internatos na Justiça de Menores (1871-1978) presenteia aqueles que pretendem (re)visitar o quotidiano dos internatos na justiça de menores com a narrativa histórica da delinquência juvenil em Portugal.
Leonor Furtado
Directora-Geral de Reinserção Social