Jesuítas e Iluminismo
Rupturas e continuidades
de José Eduardo Franco, Maria Regina Barcelos Bettiol, Karl Heinz Arenz e Luiz Eduardo Oliveira
Sobre o livro
O conjunto de estudos que nos é dado a ler neste livro confirma uma hipótese historiográfica que nós - os especialistas na história da Companhia de Jesus na época moderna - formulámos diversas vezes nos diversos encontros científicos promovidos para assinalar o bicentenário da "restauração" da Companhia em 1814: que um dos principais benefícios da abertura de um vasto campo de investigação sobre a "nova Companhia" seria a redescoberta do século XVIII jesuíta. [...]
Esta obra compõe-se de duas dezenas de artigos devidamente documentados, completados por um elenco bibliográfico substancial. Trata-se, pois, de um verdadeiro instrumento de trabalho para estudar o século XVIII jesuíta. Destaco dois aspetos dominantes. O primeiro é o papel da atividade americana - e mais especificamente brasileira, no quadro desta coletânea essencialmente luso-brasileira - da Companhia de Jesus na prossecução de uma dinâmica de conhecimento muito para além das figuras célebres dos séculos XVI e XVII, de Clavius a Kircher: os jesuítas praticavam medicina no contexto da classificação das espécies tropicais, estudavam geografia no contexto do seu envolvimento no trabalho de definição das fronteiras. O segundo aspeto é a importância da Companhia depois da Companhia, quando, no termo de uma evolução de mais de dois séculos, esta Ordem, na qual a escrita tem desde os inícios um lugar central (pela correspondência, a historiografia, a controvérsia etc.) mas vassalo, submetida a uma dupla autoridade, institucional e espiritual, se torna finalmente uma espécie de confraria de autores, refugiados nas pequenas cidades dos Estados pontifícios e dedicados à produção de um monumento de papel que não cessa de escrever (e reescrever) a história da Companhia de Jesus e a história do mundo: Benardi Ibanez de Echavarri, João Daniel, David Fáy, José Manuel Peramas e muitos outros, que encontraremos ou descobriremos nestas páginas, porque muitos deles deixaram obras manuscritas, escritas no duplo exílio da expulsão e depois da supressão. Todos são, é certo, vítimas de uma evolução histórica de que nós próprios somos herdeiros: a constituição do Estado-nação (em que se destacou o Marquês de Pombal, outra figura central deste livro, conhecida especialmente através dos trabalhos de José Eduardo Franco sobre o "mito jesuíta" português). Mas esses jesuítas são também os perpetuadores de uma certa forma de cosmopolitismo, do qual a "República" do Paraguai, construída por uma Companhia jesuíta multinacional, pode ser considerada um emblema.
É muito revelador que essa "República dos Jesuítas", que dá título a um dos mais célebres panfletos antijesuíticos do fim do século XVIII, seja também reivindicada como o berço da América pós-colonial - porque, constituída por todas as nações, não foi constituída por nenhuma, sendo somente "americana".