Dois poemas de Jorge de Sena
Por: Bertrand Livreiros a 2023-03-10
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Poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta e tradutor, Jorge de Sena é considerado um dos mais relevantes escritores de língua portuguesa do século XX, autor de títulos como Metamorfoses (1963), Os Grão-Capitães (1976), O Físico Prodigioso (1977) e Sinais de Fogo (1979), este último considerado a sua obra-prima.
No âmbito do lançamento de Fidelidade, pela Assírio e Alvim, partilhamos consigo dois poemas de Jorge de Sena.
Fidelidade
Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como a só presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?
Diz-me assim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem.
26/8/1956
O Rei de Tule
Como um anjo não falas, e o silêncio,
sussurro de presença e cuidados,
que linguagem será na tua boca
senão dos lábios a moverem-se húmidos?
Às vezes, quando a noite avança:
e drapejantes param luminosas trevas,
eu escuto que não escuto
sequer teus lábios horizontes de asas.
E lágrimas me descem, desceriam,
por tanto alheio rosto sobreposto ao meu,
que, à minha porta e alisando as penas,
pacientemente mas recolhes.
Porém, está seca a taça que me estendes:
ou já bebi, ou tudo foi outrora.
11/9/1951