Enfrentar o medo com elegância poética

Por: Marisa Sousa a 2020-08-04

Lawrence Ferlinghetti

Lawrence Ferlinghetti

Lawrence Ferlinghetti (Yonquers, Nova Iorque, 24 de março de 1919 – São Francisco, 22 de fevereiro de 2021) foi um poeta, editor e pintor americano. Um dos autores mais importantes da Geração Beat, foi o fundador (em 1953) da livraria e editora City Lights, de São Francisco, e editor de escritores como Allen Ginsberg, Bukowski, Bowles, Sam Shepard ou Artaud. Em Portugal estão publicados uma antologia, Como Eu Costumava Dizer, e o ensaio A Poesia como Arte Insurgente. É considerado o decano dos poetas americanos. O livro Coney Island of the Mind vendeu mais de um milhão de exemplares.

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José Tolentino Mendonça

José Tolentino Mendonça

Poeta, sacerdote e professor, José Tolentino Mendonça nasceu na ilha da Madeira em 1965. Estudou Ciências Bíblicas em Roma e vive no Vaticano desde 2018. Em 2019, foi nomeado Cardeal pelo Papa Francisco; em 2022 foi anunciado como prefeito do novo Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé. Desde 2017, a sua obra ensaística está a ser publicada na Quetzal.

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José Jorge Letria

José Jorge Letria

José Jorge Letria. Ficcionista, mas também jornalista, poeta, dramaturgo. Nasceu em Cascais, em 1951, onde foi vereador da Cultura entre 1994 e 2002. Tem livros traduzidos em mais de uma dezena de idiomas e foi premiado em Portugal e no estrangeiro, destacando-se dois Grandes Prémios da APE, o Prémio Aula de Poesia de Barcelona, o Prémio Internacional UNESCO, o Prémio Eça de Queiroz – Município de Lisboa e o Prémio da Associação Paulista de Críticos de Arte. O essencial da sua obra poética encontra-se condensado nos dois volumes da antologia O Fantasma da Obra. Ao lado de nomes como José Afonso e Adriano Correia de Oliveira, foi um dos mais destacados cantores políticos portugueses, tendo sido agraciado, em 1997, com a Ordem da Liberdade. É mestre em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais pela Universidade Autónoma de Lisboa e pós-graduado em Jornalismo Internacional.
Doutorou-se com distinção em Ciências da Comunicação no ISCTE, em Setembro de 2017. É presidente da Sociedade Portuguesa de Autores e do Comité Europeu de Sociedades de Autores da CISAC.
É coautor, com José Fanha, de várias antologias de poesia portuguesa.

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Jorge de Sena

Jorge de Sena

Jorge de Sena nasceu em Lisboa a 2 de novembro de 1919 e morreu em Santa Bárbara, na Califórnia, a 4 de junho de 1978. Licenciado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia do Porto, parte para o exílio no Brasil em 1959 e aí doutora-se em Letras e torna-se regente das cadeiras de Teoria da Literatura e de Literatura Portuguesa. Muda-se para os Estados Unidos da América em 1965, lecionando na Universidade de Wisconsin e, anos depois, na Universidade da Califórnia. Poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta e tradutor, é considerado um dos mais relevantes escritores de língua portuguesa do século XX, autor de títulos como Metamorfoses (1963), Os Grão-Capitães (1976), O Físico Prodigioso (1977) e Sinais de Fogo (1979), este último considerado a sua obra-prima.

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Filipa Leal

Filipa Leal

Filipa Leal nasceu no Porto em 1979. Tem 11 livros publicados (desde 2003), entre os quais A Cidade Líquida e O Problema de Ser Norte (ed. Deriva), ou os mais recentes Vem à Quinta-feira e Fósforos e Metal sobre Imitação de Ser Humano (ed. Assírio & Alvim), ambos finalistas do Prémio Correntes d’Escritas e semifinalistas do Prémio Oceanos. Está editada em Espanha (La Ciudad Líquida, ed. Sequitur, Madrid, 2010); na Colômbia (En los días tristes no se habla de aves, ed. Tragaluz, Medellín, 2016); e em França (La Ville Oubliée, ed. Cahiers de l’Approche, Angoulême, 2021). Formada em Jornalismo pela Universidade de Westminter (Londres), é Mestre em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Está representada em várias antologias em Portugal e no estrangeiro (Venezuela, Bulgária, Holanda, Eslovénia ou Grécia). Em 2010, teve um dos seus poemas exposto no Metro de Varsóvia, na iniciativa «Poems on the Underground». Em 2012 e 2014, representou Portugal em encontros literários na Alemanha – no Festival de Poesia de Berlim 2012 e na Conferência dos Escritores Europeus 2014/Long Night of European Literature, no âmbito da qual fez uma leitura dos seus poemas no Deutsches Theater. Em 2016, o seu poema «Hoje, também os carros dançam» integrou uma instalação sonora europeia na British Library, em Londres. Em 2021, a compositora colombiana Mónica Giraldo adaptou um poema seu («Digo-te por Isso»/«Te Digo por Eso»), que interpreta no álbum Hubo um Tiempo. No mesmo ano, Filipa Leal atreveu-se nas primeiras letras de canções: «Mudar de Canção», a convite da banda The Happy Mess, já lançada no disco Jardim da Parada; e «Ferida», adaptação livre de «Fever» (imortalizada por Peggy Lee), a convite de Mafalda Veiga para o seu novo concerto SOLO. Poeta, jornalista e argumentista (destaque para o guião do filme Jogo de Damas, com a realizadora Patrícia Sequeira – Prémio de Melhor Guião nos Festivais de Cinema do Chipre e de Copenhaga), apresenta atualmente, com Pedro Lamares, o programa de literatura Nada Será Como Dante na RTP2.

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Manuel Alegre

Manuel Alegre

O poeta Manuel Alegre foi galardoado, juntamente com o fotógrafo José Manuel Rodrigues, com o Prémio Pessoa 1999, uma iniciativa do jornal "Expresso" e da Unisys. Foi a primeira vez que este prémio, que pretende «reconhecer uma pessoa de nacionalidade portuguesa com uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária e científica do país», foi atribuído ex-aequo. Pinto Balsemão, em representação do júri, justificou a escolha do nome de Manuel Alegre, que viu reunida a sua obra poética no volume "Trinta Anos de Poesia" (Publ. D. Quixote), por «ser uma referência da poesia portuguesa deste século» e representar « a visão de um Portugal aberto ao mundo e um humanismo universalista atento a tudo o que nos rodeia».
Manuel Alegre, que poucos meses havia sido consagrado com o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, pelo conjunto da sua obra, a propósito da publicação do livro "Senhora das Tempestades", nasceu em Águeda em 1936 e estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde participou ativamente nas lutas académicas. Quando cumpria o serviço militar em Angola, participou na primeira tentativa de rebelião contra a guerra colonial, sendo então preso pela PIDE. Seguiu-se o exílio em Argel, onde foi membro diretivo da F.P.L.N. e locutor da rádio Voz da Liberdade. A sua atividade política andou sempre a par da atividade literária e alguns dos seus poemas ("Trova do Vento que Passa", "Nambuangongo Meu Amor", "Canção com Lágrimas e Sol"...) transformaram-se em hinos geracionais e de combate ao fascismo, copiados e distribuídos de mão em mão, cantados por Adriano Correia de Oliveira ou Manuel Freire. Os seus dois primeiros livros, "Praça da Canção" (1965) e "O Canto e as Armas" (1967) venderam mais de cem mil exemplares. Comentando o prémio, em entrevista ao "Diário de Notícias", o escritor afirmava: « Devo tudo aos meus leitores. É, sobretudo, uma vitória deles. Porque foram os leitores que, ao longo da minha vida literária, estiveram sempre perto de mim e me ajudaram a vencer várias censuras (política e estética). Expresso-lhes a minha gratidão.»
Regressado do exílio em 1974, "o poeta da liberdade" desempenhou um papel de relevo no Partido Socialista. Foi membro do Governo, deputado da Assembleia da República e ocupou um lugar no Conselho de Estado, funcionando muitas vezes como uma espécie de consciência crítica do seu partido. Os livros mais recentes (note-se ainda a incursão pela prosa: "Jornada de África", 1989, "Alma", 1995, e " "A Terceira Rosa", 1998) levam-no ao diálogo com poetas de outros tempos, como Dante ou Camões, ou a refletir sobre a condição humana, a morte e o sentido da existência, de que são exemplo os "Poemas do Pescador", que se enfrenta com o enigma da sua vida, incluídos no livro "Senhora das Tempestades", «Senhora dos cabelos de alga onde se escondem as divindades / (...) Senhora do Sol do sul com que me cegas / / (...) Senhora da vida que passa e do sentido trágico // (...) Senhora do poema e da oculta fórmula da escrita / alquimia de sons Senhora do vento norte / que trazes a palavra nunca dita / Senhora da minha vida Senhora da minha morte.»
Recebeu o mais prestigiado galardão das letras lusófonas, o Prémio Camões, em 2017.

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Últimos artigos publicados

Dor Fantasma, de Rafael Gallo

“As mãos pousam ao piano. Na brancura do teclado, os dedos se deixam deslizar, potentes cavalos-marinhos de volta à água aonde pertencem. Lançada de cima, a luz do palco o divisa da escuridão, abre cortinas por entre as cortinas.” Assim começa a história de Rômulo Castelo, um pianista virtuoso, inteiramente dedicado à busca da perfeição na sua arte. Todas as manhãs, ao acordar, fecha-se na sua sala de estudos e ensaia aquela que é considerada a peça intocável de Franz Liszt, o Rondeau Fantastique. Em breve, Rômulo irá oferecê-la ao mundo, numa tournée pela Europa que o sagrará como o maior intérprete daquele compositor. 

Pai é…

Pai é táxi, é quem nos leva às cavalitas e nos guia pelas ruas da vida. Segue todas as direções que lhe indicamos com um sorriso no rosto e nunca nos deixa ficar parados em engarrafamentos. Sabe todos os caminhos e tem a melhor banda sonora.

O Dever de Deslumbrar — Biografia de Natália Correia

Talvez não haja, entre tantas outras possíveis figuras históricas nacionais, uma como a de Natália Correia, na forma como esta simbolizou, como poucos, as inquietações do século XX português. Intimidando pela verve de aríete e pela beleza, Natália Correia foi precoce e radical no pensamento feminino, vítima de efabulações e de mitos, incompreendida e amada, tendo lançado um olhar oracular sobre o seu tempo. Em tertúlias, que eram verdadeiras olimpíadas da confraternização lisboeta, o seu traço aglutinador envolvia, juntamente com o fumo dos cigarros, intelectuais e admiradores, que se irmanavam com párias e malditos em ideias e poemas de vanguarda.

Numa entrevista ao Correio Braziliense, em abril, Mia Couto, biólogo e poeta moçambicano, quando questionado sobre o espaço da poesia em tempos de incerteza e sobre se o medo poderia ser enfrentado com 'elegância poética', afirmou que a poesia poderia ser boa aliada em tempos de pandemia, acrescentando que, se esta ”constituir uma visão alternativa do mundo, e não apenas uma forma de arte, então ela terá poderes para enfrentar este mundo”. “Às vezes, tudo o que resta é a palavra”, concluiu. E foi com palavras e poesia que muitos quiseram vestir os dias em que, confinados, assistiam ao medo e à morte a fazerem manchetes nas televisões — a fazer lembrar os seres descritos por Platão, na sua alegoria da caverna, que vislumbravam apenas uma ténue sombra da realidade projetada nas suas paredes. Foi a alimentar os sonhos a poesia (“Ó subalimentados do sonho! A poesia é para comer.”, Natália Correia) que muitas esperas se tornaram suportáveis porque, acreditamos, tal como Juan Ramón Jimenez, que “A poesia, como deus, como o amor, é só fé.”


“LISBOA DE PESSOA ALEGRE E TRISTE / E EM CASA RUA DESERTA / AINDA RESISTE”

 

A 18 de março de 2020 foi declarado, em Portugal, o estado de emergência. Três dias depois, a 21 de março, o Dia Mundial da Poesia era celebrado de forma bem diferente do que aconteceu em anos anteriores. Para assinalar a data, o poeta Manuel Alegre partilhou, na sua página no facebook, um poema dedicado a Lisboa “com praças cheias de ninguém”, que a cidade “ainda é Lisboa de Pessoa alegre e triste” e, que apesar de tudo, “ainda resiste”. O poeta José Jorge Letria também assinalou a data, divulgando um poema inédito que conta que: “Esta ausência não foi por nós pedida / este silêncio não é da nossa lavra / já nem Pessoa conversa com Pessoa / com o feitiço sempre imenso da palavra.”

 

 

UM VÍRUS “ENTRE NÓS E AS PALAVRAS”

 

Depois de encerradas as portas do Pinguim Café, a mais famosa e antiga tertúlia de poesia do Porto foi transmitida em live streaming. Os responsáveis pelas tertúlias afirmaram não permitir que o vírus se interpusesse entre eles e as palavras e desafiaram as pessoas a encherem a cave virtual com a partilha de poemas e canções. “As noites nunca têm uma temática, correm livres e ao sabor da inspiração e das vontades dos participantes. Assim será também esta noite”, garantiu Rui Spranger antes da realização da primeira sessão virtual. Entre os poemas e excertos que se afiguravam como pertinentes, Spranger destacou, entre outros, um d’Carta a Meus Filhos Sobre os Fuzilamentos de Goya, de Jorge de Sena, que diz a certa altura “Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém / vale mais que uma vida ou a alegria tê-la. / É isto o que mais importa — essa alegria.” e a última frase de A Invenção do Dia Claro, de Almada Negreiros: “Só faltava uma coisa, salvar a humanidade”. (Visão)

 

Sessão Pinguim - Poesia em casa

“HAVEMOS DE IR AO FUTURO”

A 12 de abril, as ruas desertas do Bonfim, no Porto, erguiam a esperança e as promessas de futuro, usando a poesia da Filipa Leal.

“(…) Havemos de ir juntos ao futuro / ou se não houver boleia para todos ao mesmo tempo / havemos de nos encontrar lá./ Havemos de ir juntos ao futuro e no futuro estará finalmente tudo como dantes” (in Vem à Quinta-Feira, Assírio & Alvim).

 

“O PORTO EMBALADO PELO CANTO DAS SUAS JANELAS”

 

20 de abril. Um poema escrito à janela cresceu e fez-se ponte entre duas desconhecidas (Público). Rossana Ribeiro, num “acto de desespero”, colou na janela do seu 3.ª andar, no centro do Porto, a mensagem: “Olá, como estás?”. Uma das respostas que recebeu foi a de Ana Neiva, que na janela do seu 1.º andar afixou a mensagem: “Olá, vai ficar tudo bem. Vizinhos top.” Rapidamente o diálogo tomou forma e o desafio nasceu: “Fazemos um poema?”. Nascia assim, a quatro mãos, um poema escrito por duas desconhecidas. “O Porto adormeceu / Embalado pelo canto das suas janelas” foram os primeiros versos e muitos se seguiram daí para a frente. A métrica e o ritmo pouca importância têm quando a poesia, tal como disse Ferlinghetti, é “a distância mais curta entre duas pessoas”.

 

Bonfim. Porto, Abril 2020.

 

E É TAMBÉM À JANELA QUE SE COMEMORA A LIBERDADE

 

Sem possibilidade de realizar as tradicionais comemorações do 25 de abril nas ruas, como é hábito, e em pleno estado de emergência e com algumas das liberdades restringidas, a celebração da liberdade ganhou uma pertinência relevada. Um pouco por todo o país, as vozes saíram às janelas e varandas para entoar Grândola, Vila Morena. Em Vila Franca de Xira, um grupo de moradores juntou-se para ler os poemas da liberdade aos portugueses confi nados em casa. Na Covilhã, a Câmara Municipal lançou a iniciativa “Poetas da Liberdade”, partilhando diariamente poemas alusivos à Revolução dos Cravos e à liberdade, da autoria de Manuel Alegre, Sophia de Mello Breyner Andresen, José Jorge Letria, Zeca Afonso e José Carlos Ary dos Santos.

 

© Sic Notícias

 

PARA ESPANTAR A MORTE…

 

Clube dos Poetas Vivos
No início do confinamento, rapidamente nos começámos a aperceber de que tudo passava a acontecer online. O difícil começou a ser, a partir de determinado momento, escolher entre a torrente de acontecimentos que, à falta de ruas e palcos, de esplanadas e teatros, de restaurante e cinemas, passaram a estar ali tão perto, na palma da nossa mão. O ser humano, entre outras coisas, tem a incrível capacidade de rapidamente se adaptar às circunstâncias. O Clube dos Poetas Vivos, iniciativa realizada em parceria pelo Teatro Nacional D. Maria II e pela Casa Fernando Pessoa desde 2016, não parou. Os encontros, em torno dos poetas e das suas palavras, passaram a acontecer semanalmente online. “Bem queríamos que este fosse um clube secreto, uma sociedade clandestina em que a poesia fosse a única lei e a sua partilha a grande liberdade. Mas não foi assim que aconteceu. O segredo passou de boca em boca e os sócios já ultrapassam a centena. Uma fantástica fuga de informação que nos fez repensar as coisas: fim ao secretismo. Multipliquemo-nos, sejamos muitos em redor do poeta que se juntar a nós. Passe a palavra.”, pode ler-se no site. As sessões realizadas durante o confi namento estão disponíveis no canal do Youtube do Teatro D. Maria II.

 

 

"SEM DIAS DE SOLIDÃO"

Há já quase dezanove anos que o Teatro do Campo Alegre, no Porto, vê a sua lotação esgotada, mensalmente: a culpa é das Quintas de Leitura. O ciclo literário acabou também por ser suspenso, tendo regressado dia 21 de maio, para uma sessão especial online, realizada através da página de Facebook do Teatro Municipal do Porto. A emissão “Sem dias de Solidão” foi especialmente dedicada ”à poesia, à liberdade, ao amor e ao futuro”, conforme esclareceu o TMP em comunicado de imprensa. Estes valores, que ganham especial relevância em momentos de medo e incerteza, foram celebrados sob a forma de poemas de Mário Cesariny, Manuel António Pina, Afonso Cruz, José Luís Peixoto, Pablo Neruda, Tristan Tzara e Rolf Jacobsen.

 

 

“CAMÕES DESCONFINOU PORTUGAL”

 

E porque é de poesia que falamos, não podíamos deixar passar em claro o brilhante discurso proferido dia 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, pelo Cardeal (e poeta) D. José Tolentino de Mendonça. Sem considerações adicionais, porque as suas palavras bastam, recordemos um excerto:

“Pensemos no contributo de Camões. Camões não nos deu só o poema. Se quisermos ser precisos, Camões deixou-nos em herança a poesia. Se, à distância destes quase quinhentos anos, continuamos a evocar coletivamente o seu nome, não é apenas porque nos ofereceu, em concreto, o mais extraordinário mapa mental do Portugal do seu tempo, mas também porque iniciou um inteiro povo nessa inultrapassável ciência de navegação interior que é a poesia. A poesia é um guia náutico perpétuo; é um tratado de marinhagem para a experiência oceânica que fazemos da vida; é uma cosmografia da alma. Isso explica, por exemplo, que Os Lusíadas sejam, ao mesmo tempo, um livro que nos leva por mar até à Índia, mas que nos conduz por terra ainda mais longe: conduz-nos a nós próprios; conduz-nos, com uma lucidez veemente, a representações que nos definem como indivíduos e como nação; faz-nos aportar — e esse é o prodígio da grande literatura — àquela consciência última de nós mesmos, ao quinhão daquelas perguntas fundamentais de cujo confronto um ser humano sobre a terra não se pode isentar.

 

O cardeal José Tolentino Mendonça durante o discurso na cerimónia do 10 de Junho de 2020. © Presidência da República

 

Se é verdade, como escreveu Wittgenstein, que «os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo», Camões desconfinou Portugal. A quem tivesse dúvidas sobre o papel central da cultura, das artes ou do pensamento na construção de um país bastaria recordar isso. Camões desconfinou Portugal no século XVI e continua a ser para a nossa época um preclaro mestre da arte do desconfinamento. Porque desconfinar não é simplesmente voltar a ocupar o espaço comunitário, mas é poder, sim, habitá-lo plenamente; poder modelá-lo de forma criativa, com forças e intensidades novas, como um exercício deliberado e comprometido de cidadania. Desconfinar é sentir-se protagonista e participante de um projeto mais amplo e em construção, que a todos diz respeito. É não se conformar com os limites da linguagem, das ideias, dos modelos e do próprio tempo. Numa estação de tetos baixos, Camões é uma inspiração para ousar sonhos grandes. E isso é tanto mais decisivo numa época que não apenas nos confronta com múltiplas mudanças, mas sobretudo nos coloca no interior turbulento de umamudança de época.”

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