Três poemas de António Franco Alexandre
Por: Bertrand Livreiros a 2021-10-08 // Coordenação Editorial: Marisa Sousa
Últimos artigos publicados
“É um dos mais belos livros do final de ano.” — Francisco José Viegas
Revisitando a reunião de Poemas, levada a cabo em 1996, a Assírio & Alvim faz agora chegar às livrarias uma nova edição revista dos poemas publicados por António Franco Alexandre posteriores a essa data (Quatro Caprichos, Uma Fábula, «Aniversário», Duende e Aracne) e um conjunto de inéditos com o título «Carrocel». António Franco Alexandre fez os seus estudos académicos nas áreas de Matemática e Filosofia em França e nos EUA. Após o seu regresso a Portugal, em 1975, é convidado para professor de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde lecionou até meados de 2009. Embora se tenha estreado como poeta ainda na década de sessenta, é sobretudo a partir da publicação de Sem Palavras nem Coisas (1974) que a sua obra se afirmou. Partilhamos consigo três poemas desta voz incontornável no nosso panorama literário.
quero dizer-te: não morras.
Nem me digas quem és, quem foste, como sabes
a língua que se fala sobre a terra.
Ao lume lanço
toda a vontade de viver, ser vivo,
a cautela do ar, ardendo em torno.
Passarei, terás passado em mim, só quero
dizer-te: não morras nunca, agora, nunca mais.
**********
Perdoa, não sabia que cantavas
Em sossego, silenciosamente. Neste calor
é preciso beber água gelada; também convém
não adorar ídolos, por exemplo a imagem
que aí trazes de ti e te atormenta
(ou me atormenta a mim?).
Outros exemplos incluem jardins de babilónia,
Erupções do etna, o efeito
afrodisíaco do diamante,
as ciências da educação.
Vou-me sentar aqui, respirar até doer
as coisas possíveis nunca reais,
aprender, nó a nó, como te soltas;
Vamos cair num poço, sem
bússola e pára-quedas, vamos ser o primeiro
amor a dois no mundo.
**********
é no meu corpo que morreste. agora
temos o tempo todo
ao nosso lado, como
um lodo onde dormitam as
conhecidas maneiras.
algumas nuvens se aproximam, e depois
se afastam, numa duvidosa
manifestação de imperícia;
os animais falantes
atravessam corredores iluminados,
embarcam na
sossegada lembrança dos sonetos,
o leve sono que pesou no dia.
é no meu corpo que morreste, agora.